Artigo na Revista Coolectiva de 26/03/2019

Nova galeria em Coimbra para irem à arte como quem vai ao pão

Escultura, pintura, fotografia, desenho e arte popular de 44 artistas portugueses para ver e comprar na Vieira Duque, na Baixa.

Desenho erótico de João Cutileiro, arte popular de Júlia Ramalho ou Júlia Côta, escultura em bronze de Margarida Santos, fotografia de Lauren Maganete, pintura de Vitor Costa, entre outros. A Baixa ganhou um novo espaço onde Miguel Vieira Duque diz que quer explorar uma vertente que não é a de galerista mas a de merceeiro de arte. Inaugura dia 30 de Março, às 16h, a Vieira Duque – Galeria de Arte e Cultura, no nº 1 da Adro de Cima, junto à Igreja de São Bartolomeu.

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A ideia é as pessoas ao passarem entrarem facilmente, tal como fazem numa loja de souvenirs ou de artesanato, disse-nos Miguel Vieira Duque, responsável pela gestão artística da nova galeria. Queríamos que o interior tivesse uma certa intimidade mas que não afugentasse, pelo contrário, que convidasse as pessoas, sejam elas quem forem, daí o mote A Urbe e a Génese, continuou. Conservador da Fundação Dionísio Pinheiro, em Águeda, Miguel é natural de Anadia mas vive há 17 anos em Coimbra, onde trabalhou na antiga casa comercial Marthas, na mesma zona da cidade. O curador diz que sente que a Baixa precisa de gostar mais dela própria para ser mais atractiva, sobretudo os comerciantes.

Somos muito conservadores e o que se pensava há 20 ou 30 anos mantém-se, ouço as pessoas a queixarem-se do mesmo e os comerciantes que trabalham na Baixa a dizer que é perigosa e outras coisas. Vieira Duque diz que Itália, onde diz que estudou, é um exemplo, entre outros na Europa, onde em qualquer zona histórica se encontram lojas que vendem arte, onde vamos vendo e conhecendo, mesmo que não queiramos comprar nada. O curador diz que, em Coimbra, o público acha que não tem acesso e há uma ideia muito elitista da arte, por isso gostava de ver a admiração das pessoas ao constatarem que, afinal, também podem ter arte lá em casa.

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peças de 44 artistas portugueses à venda na galeria – do muito naïf ao muito clássico e do óleo às técnicas mais experimentalista -, arte que, não sendo de bolso, é transportável, segundo Vieira Duque. Ou seja, feita pelos autores em diversas dimensões ou com materiais mais económicos e sem moldura, de forma a não terem preços proibitivos e serem fáceis de levar, sobretudo no caso dos turistas. Os preços vão dos 10€ aos 20.000€. 

“Seria bom provar que, tão essencial como comer, é também consumir uma tela. E encontrar na galeria pessoas que explicam a diferença entre as obras, como quem explica a diferença entre um pão de água e um pão da avó na padaria.”

Miguel Vieira Duque

O curador e o proprietário, Paulo Marçalo, também fizeram um esforço por reduzir as despesas do próprio espaço, de forma a não serem obrigados a cobrar comissões demasiado altas aos artistas. Não concordo em absoluto e é um dos maiores problemas para os autores, até porque não se equaciona a produção intelectual.  

Aberta todos dos dias, excepto ao Domingo, a galeria pretende ser um sítio onde podem descobrir arte, comprar ou apenas descobrir artistas e técnicas, sem preconceitosHá arte mais e menos comunicativa, às vezes um autodidacta sobrepõe-se ao académico por causa disso, porque comunica melhor, e aqui há de tudo, disse-nos o curador, orgulhoso das obras tanto quanto da experiência de conviver com todos os autores. A ideia também é, futuramente, albergar apresentações de projectos editoriais e musicais através de parcerias.

 

30 MAR | INAUGURAÇÃO | VIEIRA DUQUE – GALERIA DE ARTE E CULTURA
Adro de Cima, 1 – Coimbra
Site oficial | Facebook
Horário: 2ª – 6ª | 14h – 20h
Sáb | 10h30 – 20h
Contactos: 969754492 | miguel@vieiraduque.pt

 

Fernando Pessoa por Michael Barrett

FERNANDO PESSOA, 1985, por MICHAEL BARRETT (1926-2004); NANQUIM S/ PAPEL, 300×195

“Outra vez te revejo,

  Mas, ai, a mim não me revejo!

  Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico,

  E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim –

  Um bocado de ti e de mim!…”

                                                                            Álvaro de Campos

É sobejamente conhecido o fascínio que Michael Barrett nutria por Fernando Pessoa e pelo complexo heteronimismo pessoano. Ao longo de anos de uma carreira artística, versou em telas

múltiplas individualidades de Fernando Pessoa que hoje redescobrimos a cada passo no encontro da sua obra legada.

Assim, cabe-me acreditar que Barrett não nutria apenas mero fascínio de um qualquer curioso. Antes, mostra um conhecimento profundo da sua obra poética e de artigos que escreveu  que interpretou no seu ritmo, ao seu jeito, pela sua paleta e mestria, em obras que perpetuam o Poeta ímpar e a sua genialidade. Tal como Barrett se via a si próprio: não um marginal, mas um “out side” de modas, estilos pré-definidos, uma personalidade múltipla, mas sua… um compromisso consigo mesmo. 

Um paralelismo místico que Barrett cultivou, levando alguns a pensar num devaneio artístico, mas antes, prova de uma cumplicidade com a obra pessoana e a visão do outro em que, por vezes, se revê.

A Arte é o perscrutar do Artista por caminhos seus ou alheios a si, mas que no percurso intimo se transpõem para composições viscerais que provam a excelência do trabalho e do conhecimento.

Nesta peça encontro, mais uma vez, o intimismo por Barrett de Pessoa!

   

Apresentação do Livro “Lia no país da poesia”, de Leocádia Regalo e Maria Guia Pimpão, Editora Palimage

Nota: Apresentação realizada na Casa dos Açores Norte, Porto, a 06 de Junho de 2015, às 16:00. Com a presença do Dr. José Manuel Rebelo (Presidente da Assembleia Geral da Casa dos Açores do Norte), Dr.ª Mafalda (Colaboradora da Casa dos Açores do Norte), Dr.ª Regina Rocha, responsável pela apresentação do livro na sua vertente poético-literária, Dr. Jorge Fragoso (Editor / Ed. Palimage), Dr.ª Leocádia Regalo (Poetisa e autora), Dr.ª Maria Guia Pimpão (Pintora e autora), e do público que nos brindou com a sua presença e simpatia. A vertente da minha apresentação do livro foi a da pintura da Guia que o ilustra, a cada poema e a capa, magistralmente!

É com muito prazer que faço esta apresentação do livro Lia no País da Poesia, com poesia de Leocádia Regalo e pintura de Maria Guia Pimpão.

Não obstante a grande amizade que me liga a estas duas Mulheres de Cultura, é conhecido o mérito que lhes reconheço nos seus campos artísticos. A Leocádia e a Guia já participaram com a Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro em vários projetos: A Ruralidade na Arte; Exposição Metapoética Pictórica Sob A Égide da Lua; participação de ambas na Estações D’Arte 2014 Outonos Inquietos. Sempre com o entusiasmo e o fervor de quem Ama a Cultura, a Arte e as Pessoas.

Sob a minha secretária de trabalho nessa Fundação, encontra-se uma obra da Guia, E Por Vezes as Noites Duram Meses…, e num dos livreiros encontraremos a obra poética de Leocádia: Passados os Rigores da Invernia; Pela Voz de Calipso; Sob a Égide da Lua; Tons do Sul; Lia no País da Poesia é a conjugação destes dois nomes num diálogo com a poesia, onde a pintura intenta uma sensibilidade crescente, na infância, para as artes.

Começo esta minha apresentação com uma frase do pintor francês Eugène Delacroix, numa carta a Pierret, 1822: “Nunca antes senti emoções tão intensas ao ler coisas tão boas; uma boa página deixa uma bela impressão em mim, que dura por vários dias. Detesto escritores irreais que só têm estilo e pensamento sem uma fonte verdadeira e sensível.”

O diálogo entre texto e imagem foi uma busca constante pautada pela modernidade do Romantismo e grande preocupação para o encontro de concepções da imagem poética, reflexo intertextual entre a poesia e a pintura, atingindo a alma artística da poesia da imagem. Nesta perspectiva da Metapoesia Pictórica, a expressão por excelência está contida no Belo e não necessariamente nas palavras. Aqui o Poeta critica a obra do Pintor e reclama uma leitura própria da obra, também esta, uma outra, recriando a obra de arte na génese e na forma; conteúdos ímpares de palavras omnipresentes que se entrelaçam e se transmutam na Beleza: cor, movimento, sensações, emoções. Inocência? Antes, o abrir das amarras do comum e saltar para o âmago de uma mise-en-scène de trocas entre a Poesia e a Pintura, construindo um diálogo entre a literatura poética e a estética pictórica, fecundando a alma do espectador com a semente do movimento artístico global, sempre transdisciplinar. Os ecos intertextuais entre Poesia e Pintura atingem uma nunca antes conseguida dimensão no poema de Charles Baudelaire (1821-1867) que presta homenagem à obra “ Le Tasse à l’ hôpital des fous” de Eugène Delacroix (1798-1863), representando o poeta do Renascimento italiano Torquato Tasso (1544-1595), autor do poema épico “La Gerusalemme Liberata”.

Neste livro, Maria Guia Pimpão, na sua pintura de magnificência de formas e de movimentos a e para nós, espectadores famintos de cumplicidade e ligeireza de compreensão, traduz nas telas aqui reproduzidas, num traço auto-retratista, uma pintura por sobre névoas da Lua e a claridade da sua alma que vagueia por entre figuras ou metáforas que nos obriga a conquistar, olhando.

Nestas obras, as personagens, reinventadas poeticamente, deslocam-se em doçura e firmeza, com pinceladas ritmadas e leves que contrariam a representação pictórica, num exercício mediúnico que nos dá o universo feminino, artístico, amoroso, transportando-nos de forma cénica duma historicidade presente e latente, para uma cumplicidade da autora que reinterpreta movimentos circulares, moldando sonhos que comprometem o espectador / leitor.

Em Guia, a permeabilidade de realidades sobressaem em telas replectas de Memória, sentimentos e vivências urbanas versus rurais em paralelo, e “causa nostra” da artista que se desvenda numa paleta própria e emergente de vida.

Os olhares lânguidos das personagens escondem humores próprios de quem reclama ser notado. Adormecer em encantos de olhares lânguidos é chamar os sonhos de justos fazedores de uma qualquer realidade transfronteiriça entre o que somos e o que queremos mostrar: É uma pintura auto-emotiva. As sua composições, nesta obra literária com a Leocádia e a sua métrica poética, são trans-vivenciais: Filha, Mãe, Avó, Mulher, Urbana, Rural, Pedagoga.

Acabo com uma frase de Charles Baudelaire, in A Invenção da Modernidade, 1846: “Mas tereis que estar aptos a sentir a beleza; é que, tal como hoje nenhum de vós pode dispensar o poder, também ninguém tem o direito de dispensar a poesia. Podeis viver três dias sem pão; sem poesia, nunca; e aqueles de vós que dizem o contrário estão enganados: não se conhecem.”

 

Catálogo de um Libertino confesso!

Catálogo de um Libertino confesso!

IMG_3467O Libertino – Estética erótica em formas artísticas que preenchem palavras que suscitam prazer.

“Digam o que disserem, ele prova-nos que, malgrado as mais aviltantes experiências que a vida ofereça a um homem [ou mulher], o espírito do amor sobrevive para nos enaltecer as vidas se tivermos a inteligência e a coragem e a fé – e a arte! para persistir.”

William Carlos Williams, in Introdução do Uivo e Outros Poemas


Catálogo para uma exposição colectiva de Arte com estética erótica.

O Libertino, estética erótica em formas artísticas que preenchem palavras que suscitam prazer, exposição colectiva de arte, com curadoria de Vieira Duque, tendo como mote “O Bordel das Musas ou as nove donzelas putas” de Claude Le Petit (Séc. XVII), “Escritos pornográficos” de Boris Vian (Séc. XX), “Uivo e Outros Poemas”, 1956, de Allen Ginsberg, impulsionador da geração beat, e a figura histórica John Wilmot, Segundo Conde de Rochester, que foi um libertino inglês, amigo do rei Carlos II e escritor de muita poesia satírica e obscena, através do filme “O Libertino” de Laurence Dunmore.


“Obscurité charmante, ombre vaste et pompeuse,

Image du neant, voluptueuse nuit,

Mère de mon amour que l’Amour tousjours suit,

Rend-moy l’aymable objet de mon âme amoureuse.”

Claude Le Petit, Songe amoureux. sonnet en vers


Arte!

Onde poderemos enquadrar esta exposição?

Obviamente numa colectiva de arte contemporânea, com pintura, escultura e fotografia, num ambiente intimista e com ilustração sonora da BSO do espectáculo circense ZUMANITY, Cirque du Soleil, e mostra bibliográfica das três obras literárias que serviram de mote e obras de Elizabeth Barrett Browning e de Virginia Woolf – acompanhadas por fotografias do fotógrafo Alexandre Almeida –  numa instalação onde procuro explorar o erotismo metafísico de quem “parte deste mundo” deixando para trás Memórias e Paixões, mulheres que perpetuam sentimentos ímpares de inclusão no ambiente do “tão bem querer” e do possuir pela carne, pelo espírito e pela arte; vidas que se cruzam entre si em momentos e realidades diferentes e com homens que as perpetuaram, num abraço que transcende a morte.

A Arte é isto! Ou antes, permite o perpétuo e o possuir em qualquer momento. É deste enlace que poderá sempre renascer a Alma do Amante! A Alma como ventre do desejo! Taça que saceia o desejo pelo erotismo sagrado que se desprende na “ante-posse” do Belo.

Entre obras do fotógrafo Nuno Horta e do pintor Duarte Vitória, assistimos ao filme filme “O Libertino” de Laurence Dunmore. Ilustração cénica e histórica.

Sem dúvida que se trata de uma exposição nada inocente no tema, mas com uma abordagem eclética e transversal na dinâmica, materializada pela arte, dos sentimentos e das emoções humanas que cabem em cada um de nós no presente e em qualquer passado, apenas reflectindo aspirações, comoções ou anseios, legítimos ou mais ambiguos, que em todos não serão inocentes, mas naturais, com toda a certeza.

Neste catálogo somos convidados a abservar Arte, não devaneios fúteis ou meros “orgasmos expositivos”.

A Vida é o todo e a Arte a sua mais sublime afirmação.

de Matos – Memórias d’aquém e d’além

“Todos os meus dias são um adeus.” (Chateaubriand)

Vertigo, 2010
Vertigo, 2010

A Arte tem de comunicar e, nesse acto, o Artista constrói e desconstrói patrimónios tangíveis e intangíveis de Memória, em António de Matos Ferreira (n. 16 de Abril de 1942, Cantanhede) poderão perspectivar, prevendo, os “fantasmas surrealistas” que pululam na sua obra pictórica numa paleta de cores ímpar e representativa de quem vive num pensamento democrático e livre, de vivências e experiências próprias, em momentos presentes, revividos.

Inquietude, 2012
Inquietude, 2012

As suas exposições são sempre “instalações autobiográficas cerebrais” de uma vivência no presente e reflectem o Mundo e a sua visão pessoal, por entre tons gritantes de alguma humanidade desesperante e crítica, se quisermos, em última instância, discorrer sobre a matéria em cada uma das suas telas, sempre encontramos olhares que nos instigam a esse diálogo metapoético pictórico urgente no querermos agentes proactivos ao encontro de paradigmas fulcrais para a acção primeira do trabalho do Artista e no objectivo da Obra de Arte: Inclusão, Permanência e Paixão!

A pintura do De Matos transmite uma inquietude serena, uma nostalgia perto de uma inesgotável tristeza consciente: reiterando sempre instantes resgatados de um Passado: Viagem intensa e policromada!

O sentimento que nos desperta é o da volta da viagem, numa forma sensitiva em que experienciamos esse Passado com flashes de Memórias: Património intangível, irrevogável no Tempo e na Acção. O que comove na Viagem do Tempo que somos e provando que somos um “intervalo na vida do Mundo”. De salientar a Arte presente neste intervalo que reinventaremos nesta exposição de um Artista autodidacta e tímido, de um Homem, de um Viajante, de um Intervalo com Instantes de António de Matos Ferreira.

A sua vida em África e na Europa, aliada a experiências profissionais díspares, levam a sua incursão pela Arte e a sua própria construção estética e estilística, a uma paixão desde cedo, a explorar a comunicação da “paisagem alheia de gentes vulgares” por entre reflexos, neblinas e uma mística quase permanente, por entre palavras surdas de gente com carisma, de rostos disformes que nos assombram e inquietam. Um caminho sempre com movimento e memórias que tocam uma autobiografia transcendente, de sorrisos a medo, tímidos.

O Flautista, 2012
O Flautista, 2012

Desde há alguns anos que a sua tarefa humanizadora por policromias semi-obscuras, através de composições coloridas, enredou por um psiquismo de auto-promoção e de leituras íntimas para com tudo o que o rodeia: permissão de isolamento e de interiorizar o outro e o quotidiano que o não retira, na sua pintura, da intenção de explanar a partir de si a Vida.

Nas novas obras presentes, encontro uma fecundidade latente em pinceladas e manchas de tinta que me transportam a um título de eternas saudades e de um permanente e imanente Adeus que se consolida em composições másculas sensitivas e provas de um percurso transcultural e intercontinentais.

Percursos ou vivências? Com toda a certeza, energias de dádiva que se partilham!

Porque a Vida é o enamoramento de cada um de nós com os Instantes que constroem a nossa Memória, sendo esta o ventre da Alma, como o afirmou Santo Agostinho, permitamos que a Arte povoe o que somos, simplesmente “Um Intervalo”, despertando-nos para os prazeres que rumam à Felicidade, porque já muitos o afirmaram: é tão-só ao que temos direito e ao que devemos aspirar. Façamos jus a essa Felicidade e ao prazer de sermos! Arte!

Com a obra do De Matos sentimos esse prazer pelo próprio António de Matos Ferreira, em pinceladas circulares, mas não concêntricas, sempre a aspirar o permanente, ondulando, por vezes, entre figuras de feminilidade, contrastando com nuances de masculinidade: fecundidade, a Vida que se perpetua, consolidando-se na Arte.


 

Conceição Mendes – Maturidade numa pintura autobiográfica

Afrodite, 2012
Afrodite, 2012

Nas telas de Conceição Mendes antevemos pessoas, em grupo ou solitárias, que se alheiam do Nós para observar obras de arte ou a si próprias, num registo de autoidentidade por entre os tons de azul, vermelho, verde e amarelo. Se pensássemos numa análise psicológica da sua paleta chegaríamos a uma profusão de sentimentos da autora como narração existencialista de si. Em grandes formatos uma autobiografia que comunica a maturidade do exercício de Mulher.


Nota biográfica:

Conceição Mendes nasceu em Nova Lisboa, actual Huambo, Angola.

Mestre em Comunicação Estética, Pós Graduada em Comunicação Estética e Licenciada em Pintura, pela Escola Universitária das Artes de Coimbra – EUAC.

Licenciada em Educação do Ensino Básico, tendo exercido a docência até 2002.

Formação em Decoração de Interiores, pelo Instituto Luso-Brasileiro (Angola).

Docente da cadeira de Pintura na Universidade Livre – ANAI – Coimbra

Participa com frequência em bienais e exposições individuais e colectivas em Portugal e no Estrangeiro, em Museus, Centros de Arte e Galerias.

Participa e colabora regularmente em projectos diversificados no âmbito das Artes Plásticas.

Está representada em diversas Instituições e colecções particulares em Portugal e no estrangeiro.

Prémio de Pintura “MONDEGO 2010” – Museu da Água, Coimbra

Prémio de Pintura “V CERTAMEN DE PINTURA” 2007 – Villafranca de Los Barros, Badajoz, Espanha

Manuel de Pavia

Como quem colhe num pomar tristonho a última laranja sã, colhi a solidão estelar da minha vida.- Voo ou sonho não sei.

Carlos de Oliveira, autorretrato de Manuel Ribeiro de Pavia, in: Vértice, nº 164, Maio 1957

Sem Título (figura feminina),1953
Sem Título (figura feminina),1953

Manuel Ribeiro nasce a 19 de Março de 1907, em Pavia, Mora, adoptando, para si, o nome da sua terra natal (nome na Clandestinidade): de Pavia. Pintor e ilustrador neo-realista, ficou especialmente conhecido pelas suas ilustrações, que marcaram o panorama português das artes gráficas, e que , tão bem, ilustraram as capas da literatura dos seus contemporâneos . Inicia a sua carreira artística em Lisboa, em 1929. Na sua obra vemos muitas vezes presente um Alentejo de tons fortes, mas de extrema pobreza, mulheres e homens trabalhadores, temas campesinos, não deixando de parte o tema da maternidade e da mulher. Devido a contingências económicas, viu-se forçado a uma constante procura de aperfeiçoamentos técnicos gráficos. Os seus desenhos, raramente expostos, eram oferecidos aos seus amigos pessoais. Morreu em Lisboa a 19 de Março de 1957 e em Maio do mesmo ano, a revista Vértice dedica-lhe uma edição especial com depoimentos de vários intelectuais que com ele conviveram.

Exposições Individuais: Exposição Retrospectiva, SNBA, Lisboa, 1958. Exposições Colectivas: I a VII Exposição Geral de Artes Plásticas, SNBA, Lisboa (na II Exposição Geral de Artes Plásticas, a PIDE apreende uma das suas obras), 1946-1953; Modernos Gravadores Portugueses, Galeria Artes e Letras, Lisboa, 1955; Gravura Portuguesa Contemporânea, Galeria Pórtico, Lisboa, 1956.


Noite dentro, uma figura franzina e de sorriso amargo recolhia ao seu quarto numa modesta pensão da Rua Bernardim Ribeiro, em Lisboa e, muitas vezes tendo como jantar apenas um copo de leite, sentava-se ao estirador a encher papéis de sonhos e ilusões. Que desenhava o artista nas folhas que acabavam invariavelmente nas vastas gavetas da cómoda, algumas delas laboriosamente retocadas para ilustrar capas de livros de poetas e prosadores amigos? A dura faina das gentes do mar e do seu Alentejo natal, ceifeiros e ceifeiras orgulhosos e expectantes à sombra de nodosas azinheiras. E mulheres! As mulheres que Manuel Ribeiro de Pavia  nunca teve, mães e companheiras, a esconder fome e sede de amores que a infância sofrida e a vagabundagem pela cidade lhe negaram. Desenhou-as às centenas, a lápis, carvão ou aguarela, sempre sobre papel. Corpos redondos e maciços, lábios carnudos, pés e mãos de gigante, olhos líquidos presos no leitor, a povoar a solidão do quarto e da vida. São neorrealistas, sim, pelo seu momento histórico, mas de um Neorrealismo lírico, sem sombra de pecado, povoando a literatura de uma geração inteira que partilhava com o artista o sonho dos amanhãs que cantam.

Eduardo Teófilo, in  Alentejo não tem sombra, 1954

Stuart Carvalhais, O Artista, O Ilustrador

José Herculano Stuart Torrie de Almeida Carvalhais (Vila Real de Trás-os-Montes, 7/3/1887-Lisboa, Hospital de Santa Maria, 2/3/1961). Cognominado o Bocage da ilustração e um autor ecléctico: fotógrafo, realizador, intérprete, decorador, caricaturista, pintor, figurinista, cenógrafo, ilustrador, publicitário, elaborou também cartazes. Foi um dos mais geniais caricaturistas portugueses. O seu virtuosismo reflecte-se com igual intensidade quer na versatilidade do traço quer na irreverência picante do seu humor. Estagiário no atelier de azulejo de Jorge Colaço, foi pela mão do mestre que chegou ao suplemento humorístico d’ O Século, onde publicou os seus primeiros trabalhos. Seguiram-se outras experiências, nomeadamente: Ilustração Portuguesa, A Voz da Juventude, A Garra, O Zé e A Sátira. Ligou-se aos modernistas e foi co-fundador da Sociedade dos Humoristas Portugueses. Ainda colaborou com A Lanterna e O Pardal, antes de partir para Paris, em 1913, onde alcançou um rápido sucesso. Porém, o apelo pátrio acabará por o fazer regressar, pouco tempo depois, para trabalhar no Século Cómico, para o qual criou a famosa dupla de heróis Quim e Manecas. Dotado de uma criatividade inesgotável ainda conquistou leitores de publicações, como o Papagaio Real, Os Sports, o Diário de Lisboa, Diário de Notícias, Vida Mundial, Sempre Fixe, Ridículos, entre muitas outras. Inicialmente, assinava os trabalhos com o nome “José Stuart Carvalhais”, mas acabou por estilizar-se no “Stuart”. Pelo meio ficaram pseudónimos como “Job” e “Albino”.

Camilo e a sua casa de S. Miguel de Seide, 1958
Camilo e a sua casa de S. Miguel de Seide, 1958

Fiadeiro Duarte de Cifantes e Leão

No desenho está tudo: os contornos certeiros e rápidos definem a figura de Camilo Castelo Branco, recortando-o do vazio do fundo e destacando a sua imagem da casa de S. Miguel de Seide, transmitindo a ideia de “última morada” ou de “penoso refúgio” – ideia reflectida pelo olhar no desenho.

O Ardina
O Ardina

Profundo conhecedor do basfond lisboeta, fixa da capital um registo que cruza com o seu, servindo-o com resultados surpreendentes no uso da mancha (tantas vezes feita com café ou com vinho) e de texturas, na definição ou languidez da linha, nos ritmos do traço. Assim, elegante na ilustração, essencial neste tipo de desenho, cada personagem de Stuart detém, na representação, os conceitos que a ela estão associados. Negra e violenta, a miséria, como o vício ou a solidão, é caracterizada em traços rápidos e rugosos, gastos ou recortados, no contraste de preto e branco.

Na negrura do olhar e no desafio da pose fica clara a afirmação do seu poder, logo negado pelo traço “raspado”, cuja parca incisão de negro, a prometer diluição, sublinha o silêncio, permitindo que se insinue a ironia sobre a solidão.

Uma estética “Romântica” que consegue, de uma forma sublime, transmitir toda a carga emocional de Camilo no seu tempo e temperamento, perspectivando uma época e um tempo da personagem; numa representação cénica crua mas visceral no conteúdo, num exercício do desenho para periódico.

Manuel Filipe – Precursor do Neorrealismo em Portugal

A Familia
A Família, 1943

Manuel Filipe nasceu em Condeixa-a-Nova, 1908, e faleceu em Lisboa, 2002. Traduziu de forma paradigmática o grito de revolta, a subversão, em criação artística. A sua designada “Fase negra” (1943-1945), marcadamente neorrealista, e de inspiração expressionista, do realismo socialista, e dos coevos mexicanos, é uma expressão dramática da temática social e da luta contra a opressão totalitária. Entre o humor ou o satírico e o drama da miséria humana, representa transfiguradamente, através dos traços negros sobre papel, os ideais por que pugna, a “tomada de consciência dos homens avisados” e inconformados.

Esta é, sem dúvida, a leitura nesta obra: A Família, de 1943. Início da sua fase artística classificada como “Fase negra”.

Filho de um trabalhador rural e de uma pequena comerciante, ao mesmo tempo que ajudava o pai nas suas horas livres, no amanho da terra, dava os seus primeiros passos na Arte do Desenho quando ainda vivia em Condeixa; possivelmente, a (auto) imagem aqui retratada. Frequentou aulas particulares e posteriormente a escola de artes e ofícios. Vai estudar para Coimbra, para o Curso Misto de Ciências, Letras e Artes, contudo a sua aprendizagem para professor está ligada ao desenho que insistentemente praticava. A irreverência que o caracterizava vale-lhe nos primeiros tempos da Ditadura um mês de prisão no Forte da Trafaria. Foi professor de Desenho no Ensino Liceal. Na sua carreira pedagógica, aquando das exposições individuais que realizou no Porto e em Braga, e da II Exposição Geral na SNBA, foi ameaçado pela PIDE de que se voltasse a expor seria demitido do cargo de professor. Nessas exposições, as suas obras consideradas de subversivas, foram retiradas, vandalizadas ou, mesmo, a mostra mandada encerrar pelo Governador Civil.

Esta repressão, esta censura por parte do Estado Novo leva-o a abandonar a actividade artística até 1961, data de início de uma segunda, distinta e muito fecunda fase criativa. Nas próprias palavras de Manuel Filipe podemos encontrar o sentido da sua arte dos meados do século vinte, quando afirma: a pintura neorrealista “deve ser esteticamente bela (…) [mas] tematicamente (…) tratando corajosamente problemas que possam melhorar a condição humana”. Reflexo de um humanismo ansiado, e também com certeza de uma guerra que lavrava no mundo, este artista mostra num expressionismo denso, mas sempre estético, a rudeza desta condição, quando representa figurativamente as mais gritantes injustiças sociais, os infortúnios da pobreza, da servidão e da brutalidade. As personagens que traça são no fundo, sobreviventes, de mãos e pés desconformes, numa desmesura de um olhar sempre aberto, para a consciência ou para um soabrir da esperança.

Michael Barrett – Devoção e Redenção em Barrett

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O Pescador, 1964

Quem sou eu, senão um ser atormentado, como todos os homens, que não quer senão pintar, que só não é medíocre pintando? Quem sou eu, senão alguém que sonha (…) No fundo, quem sou eu?” 

Michael Barrett

Em Michael Barrett vivenciamos a liberdade espiritual numa paleta monocromática de intimidade ou numa policromia intensa, onde o divino e o humano, em simbiose, transportam, de forma quase brutal, flores que brotam em orgias de pinceladas a um Deus que é o Ser: Ele e os Pares. Um academismo inexistente, mas latente em mestria que nos envolve na sua História…

A devoção por si que reflectia, pelas mulheres que amou, pela pintura de múltiplos orgasmos, momentos ímpares de êxtase criativo, pela comida que jamais o saciou!… A redenção ao sexo e a um deus que persistiu em desconhecer… à faina no cais, o quotidiano de Cascais, Buarcos ou por Aveiro…

Em Michael Barrett o pecado não é a um Deus mas aos homens e mulheres que são o seu elemento fundamental de vida… Gente que passa ou que permanece, I love you Marie Louise / I don´t want to die! Krishna / Ciao, a vida tal como é, sem borras… antes laivos do café que importa e se esgota, como aguarela do Mundo que anseia por descobrir, mas cuja viagem nega!

Place du Tertre, num traço que nos remete a um momento entre artistas, com o seu cavalete, numa cidade onde foi concebido. Pecado? O destino que traça num Impressionismo Moderno. Fugas… talvez de si, desse cabal fim predestinado, de pré-conceitos que retalha para se libertarem, sonhando pela absolvição, tal Homem da Sé, ou o Pescador, ou Barrett ou a declaração de eterno amor a Marie Louise. Absolvição por um Deus, King of Jews, que Vamos Espezinhumilhá-lo! Ou por si, numa rua de Cascais, num olhar pela Costa Nova ou pelas salinas de Aveiro. Mas sempre o fascínio pelo urbanismo histórico, como o Palácio da Pena e a natureza da Ria.

Um Impressionismo Moderno que resgata de Van Gogh, Cezanne e Gauguin (pós-impressionistas que admira e trata como mestres), de quem fala no texto que herdámos na obra Ilha de Lesbos, onde exprime a sua preocupação conceptual sem rodeios, numa maturidade que não se exige mas se pressente num ser divinamente livre!

E Fernando Pessoa… sempre o Poeta. Numa devoção impressionista, mas numa redenção pelo Homem. Essência de vaidade e vergonha… tal o espírito em Barrett: Irrequieto, inconstante, inquieto… mas, sem dúvida, Humano! O seu calvário: o próprio, como todos! Mas consciente na sua pintura e produção artística.

Boa noite, Barrett. Coimbra, 25/03/2015, 01:55

Auto-retrato
Auto-retrato, 1974

Michael Nicholas Barrett nasceu em Paris a 13 de Fevereiro de 1926 (filho de mãe inglesa,  Dorothy Alice Barrett, e pai francês). Veio aos 9 anos para Portugal. Foi o arquitecto Gil Graça que o incentivou para a pintura. Morreu a 6 de Maio de 2004, em Cascais.

Casou com Marie Louise Forsberg, sueca, em 1961, com quem teve dois filhos, João Nicolau (n. 1961) e Teresa Cristina (n. 1963).

A partir da década de 70 do séc. XX, passou longas temporadas em Aveiro. Na década de 90 passou a residir em Buarcos, onde Marie Louise morreu.


MICHAEL BARRETT – Pintor de Memórias

A Arte não é acomodada e nem está refém de quaisquer subterfúgios, caso contrário, não será Arte! Antes, a repulsa da mesma.

A Arte permite a comunhão entre a responsabilidade, o conhecimento e a acção. Com mecanismos da matéria sensitiva e do teor de estéticas que atraem, comprometem-nos numa global vontade de harmonia, podendo impulsionar essa realidade.

A Arte e a sua produção é a condição mais visceral de comunicar e preservar latente o presente dos tempos, o Ser Humano e a sua História.

Sendo, sem quaisquer dúvidas, uma referência na arte portuguesa do séc. XX, Michael Barrett acentuou uma modernidade no seu trabalho pictórico definida pela extraordinária sensibilidade que incutia nas representações do quotidiano que por onde passava o apaixonavam.

Uma viagem interior de análise do Mundo – devassando a realidade – e que nos transmite a respectiva amplitude dos sentimentos, valores e emoções numa paleta muito própria e intimista, quer na profusão de cores a óleo, acrílico ou aguarela, como no diálogo solitário das manchas preto/ cinzas em aguarela que completam o traço e a tinta-da-china que definem roteiros de cada existência; tal como os desenhos a caneta apresentando ruas que convidam ao ser social ou, ao invés, a uma solidão sentida, pressentida e mantida como necessária.

Uma democratização no trabalho artístico que toca um Impressionismo Moderno e, por vezes também, um neorrealismo, fugindo dos padrões convencionais e academismos da moda.

No entanto, influenciado de forma marcante por uma escola impressionista/ expressionista, tendo como referências o mestre Henri Matisse que admirava pelas suas composições onde apenas o essencial era retratado.

Barrett permite-nos, a nós museólogos, trabalhar o património artístico como se de uma viagem se tratasse e/ou de uma autobiografia, mesmo quando o outro não está em si, mas aceitando e valorizando as diferenças e promovendo a multiplicidade de cada um de nós a partir de si mesmo: criando cenários e humanidades; descrevendo pessoas (família, amigos, gentes, o próprio), lugares e paisagens familiares. Desafiando a capacidade humana em que acredito: Amar!

Barrett é, sem dúvida, um indivíduo que vale pelas Memórias que traduziu pela Arte, sem barreiras e sem os condicionalismos que anteriormente referi. É exigido, no panorama da Arte em Portugal do Séc. XX, fazermos jus a estes expoentes do movimento artístico: colocar obras suas nos nossos museus de arte contemporânea, em exposição permanente e não permitir apenas que se limitem às reservas ou às vicissitudes do mercado galerista, embora esta área seja também importante; promover estes nomes nos meios que dispomos para a respectiva internacionalização; desenvolver e apoiar trabalhos académicos de valor e possibilitar a divulgar os mesmos.

Estou convencido de que estas são as responsabilidades primárias dos museus hoje. Contrariar esta função emergente será condenarmos a arte nacional ao ostracismo e adiarmos a democratização de acesso à Arte e à Cultura.

Porque acredito que o Caminho é de Memórias porque se a Arte promove o Presente e o seu reflexo no Futuro, funcionará como espelho para os personagens do Hoje e do Amanhã, numa comunhão de saberes, de erros, de efeitos, de vitórias, de alegrias, de tristezas, de derrotas: DESPOJOS DE NÓS!

Michael Barrett, como outros responsáveis pela produção artística em Portugal, oferecem-nos hinos da poética do coração humano, trazidos por um Caminho silencioso do passado histórico, despojado de artifícios ocos, tal como toda a Arte que se quer honesta para, assim, alcançarmos a honestidade que permitirá sobrevivermos: RECONSTRUÇÃO DO NÓS: RESSURREIÇÃO!